Entre estátuas, jardins, mares, cachorros e galinhas, meus pulmões continuam recebendo oxigênio. Apesar de parecer o oposto, pensar criticamente ainda é um modo que me força a manter a esperança. Existo na busca. Minha carne e meus ossos não me deixam desistir de ser lar, de me guiar para aquele espaço tão sozinho e tão meu.
Sem pensar muito, me vejo fazendo com que meu corpo ponha seus olhos míopes atrás da lente de uma polaroid. Aperto o botão e espero a mágica: o branco se transformando em cores congeladas para uma eternidade sem admiradores. O olhar que observa uma fotografia nascendo por trás das grossas lentes dos óculos consegue ver melhor?
Não tenho amigos que se preocupam se sou solitária em meio ao concreto, se me isolo em demasia no labirinto do sentir. Nasci em outro século. Sou capaz de amar, mas tenho dúvidas de que saiba receber amor. Convivo com um tornado permanente em minhas águas — fenômeno intrínseco que tem ficado mais forte a cada segundo e que há de me engolir algum dia. Meu olho-diretor segue falhando miseravelmente ao mensurar o quanto sou vazia nesse caos. Isso, de tão feroz e torto, me alimenta, do mesmo modo que meus ancestrais se convertem em oráculos.
Apesar das flores, o inverno me espreita segundo após segundo. Sou pantera criada e crescida em meio a lobos. Mais forte que o medo, vou fundo numa tentativa de me livrar de vez das amarras que me prendem à caverna de Netuno.
Há utilidade no rascunho, já diria um poeta amigo meu. Concluo que polaroides não dão conta — nada dá —, mas continuo registrando minha arquitetura fundada e construída à luz das diversas conjunções coordenativas adversativas prescritas pelas normas da gramática.
Nas retas verticais de cada prédio desta cidade há um resquício da curva do meu DNA. Minha bússola é turbina barulhenta sobre a cabeça. Ponho devoção em tudo que faço. Ainda que seja quase verão, faz frio e os pássaros cantam.