Porventura
Encontro tesouros enquanto limpo. Tenho sonhos, muitos deles um tanto excêntricos. Como naquela noite de Lua Cheia em que Clarice me mandou continuar porque, segundo ela, “algo floresce no Natal”.
O Brasil anda a cada dia mais estranho, e eu ando cada vez mais sem sair do lugar. Rascunho fragmentos que não me dizem nada. Me parece impossível fazer a semente — já seca e queimada, crescer, florescer e fazer sombras.
Replanto as plantinhas da cozinha numa tentativa de encontrar oxigênio. Assim, descubro que Wilson, o cacto que ganhei de uma aluna há mais de quatro anos, teve um filho. Separo os dois. Wilson Jr. me parece mais feliz com o migrar de envasamento — talvez seja porque ele não tem a consciência de que é tão brasileiro quanto eu.
As plantas, enfileiradas na janela da cozinha, me causam uma sensação de bem-estar. Faço um café, pego o projeto novo de tricô — ainda na incerteza de que ele vá dar certo. Começo a tecer, mas paro. Paro para apreciar o silêncio e me dou conta de que, apesar dos textos ruins que tenho escrito, de algum modo ainda respiro.
Volto a tricotar até sentir um incômodo no pulso. A Camomila dorme, e aproveito a famigerada fome sem fim da Poesia para me esticar um pouco. Ração fresca no pote. Caneca de café lavada. Dor infinita na lombar. Já não sou mais aquela criança que aprendeu a tricotar porque queria saber algo diferente das demais. Minha alma é de velho e ela anda exausta.
Exausta e empacada e sem ver algo de bom nas palavras que brotam do peito — dos outros e, sobretudo, meu. A potencial blusa volta a crescer enquanto a minha voz se abafa e mingua com as tragédias secas e empoeiradas ao redor do globo. A falta de concatenação me sufoca. Me calo diante do abismo (Gaia, você me ouve?). Nas redes sociais, todos seguem falando sobre as mesmas coisas: as revoltas e os amores coletivos me anestesiam.
Entorpecida busco papel e caneta. Não deveria ser tão difícil quando se tem ideias e material ao alcance das mãos. É possível eclodir? Tudo se complica quando a melodia de dentro não se deixa ritmar pelos maestros que seguem impondo o compasso frenético de medo. Faxinar é uma eterna descoberta.