Ardor
Dizem que viver no Brasil não é para amadores. Eu digo o inverso: só aguenta o tranco do nosso dia a dia quem de fato ama esta terra.
Eu luto pela minha sobrevivência em um protesto silencioso, austero, quase invisível, que ruge contra o egoísmo de quem olha em volta e só vê o próprio umbigo.
Dizem que o ideal é esperar o momento certo para agir, mas qual é a hora exata para a realização de um sonho? Transformo a minha dor em lutas. Me debato com o silêncio das palavras. É nesse reino que trago as minhas feridas à consciência.
Tento cantar a minha própria canção, uma que vibre tudo ao nosso redor. Sinto-me pronta para dizer que estou feliz por estar viva, mas algo me segura. Minha alma vive o futuro, e meu corpo segue no presente pandemicamente enclausurado.
Haja amor para viver no Brasil de 2020, nesse Brasil em que que sempre há uma voz sussurrando na minha orelha: “O que restará de tudo isso?” — ela sibila articulando sílaba por sílaba. Pessoas morrem, bichos morrem, plantas morrem. Observo a destruição enquanto a caneta desliza feroz pelo papel e Clarice, na minha estante, me relembra de que eu sou um bicho que — cedo ou tarde — também há de encarar a morte.
Meu protesto é silencioso, austero e quase invisível. Meus textos não são feitos para serem lidos em voz alta. Cada palavra que escrevo passa pelo cérebro e desce ao coração. Aliás, neste momento surge mais um embate: é possível protestar de forma racional e com o coração?
O centro de tudo é ser aquela que — apesar dos pesares — ainda ama. E que, por amar, ainda luta. De um jeito ou de outro, mas luta. Sendo um ponto no nada, uma voz baixa em meio ao caos, mas que não desiste da luta. Nesse sentido, não sou e nem faço textos para amadores.
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