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Boletim do site Algumas Observações, da escritora Fernanda Rodrigues. Clique aqui para ler o e-mail no seu navegador.

On the run

Saí de casa quando faziam mais de 30°C. Agora o termômetro marca 24°. Nada mais típico do que futuros espirros frutos da queda brusca de temperatura. No fim, a vida imita o clima. Tudo anda meio disparatado ultimamente.

Amigos terminam relacionamentos e enfrentam a solidão. Eu, que já convivo com essa dorzinha há tanto tempo, gostaria de abraçá-los, um a um, e dizer que vai ficar tudo bem. Sempre fica tudo bem, não fica?

Não tenho respostas, mas continuo na busca. Leio Paulo Mendes Campos numa tentativa de não parecer louca, de encontrar alguém que sente como eu sinto. Flerto com a morte, mas sendo covardemente apaixonada pela vida, não tomo uma atitude derradeira. Quando acho que Deus me abandonou, Ele me manda um sinal. Sempre fica tudo bem.

As coisas estão longe do que gostaria que estivessem. Lido com as frustrações sabendo que respiro e tenho um teto e que isso é motivo suficiente para que eu me sinta grata. Estou viva num país de milhões de mortos. Duas faces de uma mesma moeda.

A temperatura cai e o ar-condicionado da cafeteria me deixa com frio. Jogo o copo de plástico no descarte de recicláveis e coloco o meu corpo quente em movimento. Há quanto tempo não reparo na quentura do meu corpo? Venta e a queda de mais de 6°C me faz pensar que não é só a minha vida que anda descompassada. O mundo também. Macro e microcosmos caminhando juntos.

Uma música feliz me vem à cabeça, e percebo que estou quase dançando enquanto caminho. Entro em outra loja de ar-condicionado ainda mais gelado e compro um vestido. A atendente do caixa pergunta se é para embrulhar para presente e eu respondo que não, que é pra mim mesma. Um vestido para que eu me lembre de que estou viva.

Saio da loja e passo em frente a um prédio. Uma mulher segurança conversa com um menino que vive na rua. A criança, pela estatura, tem cerca de 10 anos ou menos. Me chama a atenção que eles sorriem. Ela o trata bem. Eles se divertem na troca de afetos. Um homem engravatado deixa o prédio. Ele olha rapidamente para a mulher, um modo de se certificar se ela precisa de ajuda para se livrar daquele menino. No mesmo instante, a segurança e a criança gargalham de alguma piada que eu, à distância, não consigo ouvir. O homem segue andando, mas olha para trás numa tentativa de ter certeza de que não viu e ouviu errado.

A cena seria linda se aquela criança não morasse na rua, se não estivesse com os pés descalços no chão duro e frio da avenida movimentada. Eu, que amo andar descalça em casa, por pura opção, me pergunto que mundo é esse em que tenho um lar, chuveiro quente, comida na mesa e um vestido novo e uma criança é desprezada por um homem engravatado por morar na rua e não ter um par de sapatos?

Já não tenho mais certeza de que tudo dará certo. Faz frio, o dia está cinza e sei que não posso confiar nos humanos ao meu redor. Cabisbaixa e impotente, caminho até o metrô e volto para casa.

Greg Holden - On The Run - 8/17/2018 - Paste Studios - New York, NY

“Baby, I’m sorry for the things I’ve done.
But I know it wasn’t easy when I was on the run”


O título desta newsletter veio da música do Greg Holden (vídeo acima).
Me lembrei dela enquanto escrevia. :)

Janeiro

Heeeeeeey, <<Nome:>>!
Eis que estou aqui. :)
Espero que você esteja bem.

Não queria começar o ano te enviando um texto triste, mas escrevi a crônica acima depois de um dia de passeio (um dos poucos que fiz, porque a ainda sigo com todos os cuidados pandêmicos). Escrever foi um dos meios de lidar com essa tristeza coletiva, já que não tenho como ficar 100% feliz dando uma volta pela cidade e me deparando com tanta gente vivendo nas ruas.

Há pessoas que conseguem separar a vida pessoal da coletividade, mas eu não faço (nem quero fazer!) parte desse grupo. Quanto mais eu sou confrontada com essa desigualdade social tão injusta, mais eu me sinto compelida a querer mudá-la.

Há várias formas de fazer isso. Desde tratar pessoas como pessoas (“um sorriso muda tudo” é um clichê um tanto verdadeiro), passando ao apoio de organizações e, claro, votando em quem acredita na vida como força propulsora de uma sociedade, não o contrário (já regularizou o seu título de eleitor? É possível fazer isso sem sair de casa).

Aproveito o papo para dizer que lá no meu blog há uma área chamada “Compromisso Social” com várias iniciativas bacanas para quem quiser ajudar pessoas que estão vulneráveis (aliás, se você conhecer algum trabalho bacana que não estiver nessa lista, basta me enviar o link/contato, que eu faço a inclusão).

Seguimos ;)

No Algumas Observações

Tirei férias do blog e só voltei com ele agora no fim do mês. Minha ideia é ter três posts semana (terças, quintas e domingos) a partir de agora. Estou me esforçando para que tudo dê certo nesse sentido, porque preciso voltar a me dedicar aos meus textos.

Até breve

Se você leu até aqui, muitíssimo obrigada!
É uma honra poder vir aqui no seu e-mail e bater papo. Espero (e desejo) que seu 2022 seja incrível, cheio de saúde e de amor.

Um beijo e até fevereiro!
Fernanda Rodrigues

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