On the run
Saí de casa quando faziam mais de 30°C. Agora o termômetro marca 24°. Nada mais típico do que futuros espirros frutos da queda brusca de temperatura. No fim, a vida imita o clima. Tudo anda meio disparatado ultimamente.
Amigos terminam relacionamentos e enfrentam a solidão. Eu, que já convivo com essa dorzinha há tanto tempo, gostaria de abraçá-los, um a um, e dizer que vai ficar tudo bem. Sempre fica tudo bem, não fica?
Não tenho respostas, mas continuo na busca. Leio Paulo Mendes Campos numa tentativa de não parecer louca, de encontrar alguém que sente como eu sinto. Flerto com a morte, mas sendo covardemente apaixonada pela vida, não tomo uma atitude derradeira. Quando acho que Deus me abandonou, Ele me manda um sinal. Sempre fica tudo bem.
As coisas estão longe do que gostaria que estivessem. Lido com as frustrações sabendo que respiro e tenho um teto e que isso é motivo suficiente para que eu me sinta grata. Estou viva num país de milhões de mortos. Duas faces de uma mesma moeda.
A temperatura cai e o ar-condicionado da cafeteria me deixa com frio. Jogo o copo de plástico no descarte de recicláveis e coloco o meu corpo quente em movimento. Há quanto tempo não reparo na quentura do meu corpo? Venta e a queda de mais de 6°C me faz pensar que não é só a minha vida que anda descompassada. O mundo também. Macro e microcosmos caminhando juntos.
Uma música feliz me vem à cabeça, e percebo que estou quase dançando enquanto caminho. Entro em outra loja de ar-condicionado ainda mais gelado e compro um vestido. A atendente do caixa pergunta se é para embrulhar para presente e eu respondo que não, que é pra mim mesma. Um vestido para que eu me lembre de que estou viva.
Saio da loja e passo em frente a um prédio. Uma mulher segurança conversa com um menino que vive na rua. A criança, pela estatura, tem cerca de 10 anos ou menos. Me chama a atenção que eles sorriem. Ela o trata bem. Eles se divertem na troca de afetos. Um homem engravatado deixa o prédio. Ele olha rapidamente para a mulher, um modo de se certificar se ela precisa de ajuda para se livrar daquele menino. No mesmo instante, a segurança e a criança gargalham de alguma piada que eu, à distância, não consigo ouvir. O homem segue andando, mas olha para trás numa tentativa de ter certeza de que não viu e ouviu errado.
A cena seria linda se aquela criança não morasse na rua, se não estivesse com os pés descalços no chão duro e frio da avenida movimentada. Eu, que amo andar descalça em casa, por pura opção, me pergunto que mundo é esse em que tenho um lar, chuveiro quente, comida na mesa e um vestido novo e uma criança é desprezada por um homem engravatado por morar na rua e não ter um par de sapatos?
Já não tenho mais certeza de que tudo dará certo. Faz frio, o dia está cinza e sei que não posso confiar nos humanos ao meu redor. Cabisbaixa e impotente, caminho até o metrô e volto para casa.